O socialismo é tão somente outra forma de organizar a produção e a distribuição da riqueza. O socialismo é, portanto, um modo de produção. O que diferencia o socialismo dos outros modos de produção, como capitalismo, feudalismo e escravismo é que no socialismo não existem classes sociais.

Nós socialistas, entendemos que os trabalhadores devem controlar as fábricas, a terra, todas as indústrias e tudo onde se produz riqueza, até porque toda a riqueza que existe é produzida pela classe trabalhadora, porém, no sistema capitalista a alienação do trabalho e a mais-valia não permitem que a classe trabalhadora usufrua daquilo que ela mesmo produziu.

O trabalho, no capitalismo, é alienado porque separa o trabalhador dos meios de produção. Para entender melhor, tome como exemplo a música “Cidadão” de Zé Geraldo, nessa canção, um trabalhador se vê diante de um prédio que ele ajudou a fazer, ao olhar admirado o prédio que construiu, um “cidadão de bem” lhe pergunta se ele está querendo roubar, o mesmo acontece na escola que ele construiu, onde sua filha não poderá estudar. Pense em trabalhadores que pegam ônibus para trabalhar em montadoras, fabricam carros que não poderão comprar (perceba a lógica alienada de precisar comprar o que você fez). Trabalhadores e trabalhadoras todos os dias vão ao supermercado e veem produtos que, como classe, produziram, mas que não vão consumir. Os trabalhadores, embora saibam realizar seu trabalho, conheçam seu ofício muito melhor que os patrões, não podem decidir o que e nem como produzir. Imagine o que não podíamos fazer pelo transporte coletivo, se nós, a classe trabalhadora, pudesse decidir de forma livre e por critérios humanos, como e quanto fabricaríamos metrôs, ônibus e trens. O que nos impede de poder decidir sobre os transportes coletivos, ou remédios, ou ainda sobre eletrodomésticos que durem mais tempo e que agridam menos a natureza? A resposta é simples. A sociedade de mercado. O lucro, o capitalismo.

No capitalismo existem duas classes antagônicas, burgueses e proletariado, poderíamos simplificar aqui em patrões e trabalhadores. Uma possui os meios de produção e não trabalha, essa é a classe dos patrões, ou burguesia, classe parasitária e inútil. Perceba que se o patrão faltar na empresa, ninguém nota. Há muitos patrões que realmente nunca aparecem, mas se os trabalhadores não comparecerem nada funciona. No capitalismo a classe que produz riqueza, não controla os meios de produção. A classe trabalhadora enriquece os capitalistas (burguesia, patrões) através da mais-valia.

Entender mais-valia é importante, porque é essa é a essência da exploração capitalista, sem a qual não há capitalismo. Para entender mais-valia imagine um produto que você compra mensalmente, digamos que seja creme dental e xampu. Imagine que você gasta todos os meses 20 reais na compra desses produtos. Você não ganha nenhum centavo comprando esses produtos, apenas gasta 20 reais todos os meses. Imagine agora que o seu patrão compra a sua força de trabalho todos os meses, por um salário de 1200 reais. Todos os meses você produz uma riqueza para o seu patrão, a sua força de trabalho é como uma galinha dos ovos de ouro. Todos os meses você vai produzir mais, a empresa ficará mais rica, você não, quanto mais você produzir, mais se dedicar, gastar mais horas, não dormir pensando em como melhorar a sua produtividade, mais-valor você estará entregando a empresa. Você trabalhador, não é despesa, você a fonte do lucro do patrão, o que você produz em poucas horas diárias já paga o seu salário, todo o restante do dia, você está produzindo mais-valor para a empresa, é trabalho não pago. O capitalismo precisa explorar o trabalhador como um vampiro de sangue, essa é a essência do capitalismo, por isso é importante derrubar completamente esse sistema, que se sustenta na exploração.

Como seria o trabalho no socialismo?

No socialismo não existe trabalho alienado e nem mais mais-valia, não existem patrões e empregados, não existe ninguém vivendo do trabalho alheio, todos devem contribuir com a produção, todos devem trabalhar.

No socialismo o trabalho não é um fardo, uma guerra, suplício, martírio como é no capitalismo. Em uma sociedade socialista, marcado pelo pleno emprego, onde todos trabalham, todos trabalham bem menos. A lógica também é simples. Vejamos um exemplo prático: domingo, toda a família está reunida, então a matriarca prepara o almoço, depois lava a louça, serve a sobremesa, limpa a mesa. Nessa situação, temos uma pessoa que se desgastou demais, trabalhando desde cedo, quiçá, desde o dia anterior no preparo do almoço e sobremesa, e que ainda vai levar tempo arrumando a bagunça dos convidados. O que aconteceria então, se nesse mesmo almoço dominical, o patriarca, os filhos e agregados dividissem todas as tarefas, trabalhassem juntos? Certamente não seria cansativo para ninguém. Há muitos estudos e relatórios da organização mundial do trabalho (OIT) mostrando que em uma sociedade do pleno emprego e com a tecnologia existente, precisaríamos trabalhar apenas alguns minutos por semana. Em uma sociedade socialista, todos deveremos contribuir com a produção, com toda a humanidade produzindo, precisaríamos de apenas alguns minutos por semana, poderíamos escolher trabalhar um dia inteiro e ficar meses sem trabalhar, na sociedade socialista, onde a tecnologia estará a nosso favor, poderemos dedicar mais tempo a atividades humanas, como a arte, filosofia, artesanato, pesca, fotografia, viagens, cinema, leituras e etc.

E o salário, todo mundo vai ganhar a mesma coisa?

No socialismo não existe salário. É isso mesmo que você acabou de ler caro leitor, você não leu errado. Mas tenha calma, há uma explicação para isso. Note leitor, que nós naturalizamos o trabalho assalariado, como se essa fosse a única realidade possível, pensamos em salário como se essa relação não fosse social, mas fosse tão natural como uma jaqueira dar jaca e uma mangueira dar manga. As coisas não são assim. Na realidade, a universalização do trabalho assalariado é de pouco mais de um século. Pense que durante quase quatrocentos anos nas américas, as pessoas consideravam que era impossível existir uma relação de trabalho que não fosse a escravidão, durante a idade média, um período de quase mil anos, a servidão foi considerada como a única relação de trabalho imaginável. Pois bem, o trabalho assalariado é uma forma social de trabalho, não natural, mas historicamente construída. O trabalho assalariado é produto do trabalho abstrato, alienado, com mais-valia embutida. O trabalhador assalariado é sempre alguém que gera mais-valia, é um explorado em alguma medida. No socialismo teremos uma forma de trabalho sem exploração, que não produza capital, mas atenda os interesses dos trabalhadores. A essa nova relação social socialista, nós chamamos de “trabalho associado”.

Os trabalhadores controlarão as fábricas, industrias, terras, escolas, universidades, hospitais e etc. Organizarão a produção e a distribuição, os trabalhadores associados, como já foi dito, poderão decidir sobre tudo, como, o que, e para que produzir, assim como a distribuição da riqueza. Todos produzem a riqueza, logo a riqueza pertence a todos, todos poderão pegar em mercados tudo que quiserem, todas as necessidades devem ser atendidas, das mais concretas às mais abstratas, os trabalhadores terão acesso a comida, roupas, tecnologia, do mesmo modo, terão acesso a livros, a arte, a possibilidade de viajar e viver com dignidade. É importante aqui lembrar que tudo isso é possível, graças a tecnologia desenvolvida pelo capitalismo, a capacidade produtiva hoje, permite atender com abundancia a toda humanidade, mesmo que tivéssemos uma população de 21 bilhões de pessoas, entretanto, boa parte do alimento produzido é jogado no oceano, segundo FAO, órgão da ONU responsável por estudos sobre a fome, enquanto 821 milhões de pessoas no mundo estão em estado de insegurança alimentar, um terço de toda a produção alimentar do mundo é desperdiçada diariamente, a estimativa é que cerca de 1,3 trilhões de toneladas de comida seja descartada pelas empresas capitalistas para regular preços. O sociólogo suíço Jean Ziegler, que fez parte da FAO, apontou em pesquisa publicada em 2011 que uma criança morre de fome a cada cinco segundos no mundo, dada a produção de alimentos no mundo, o sociólogo afirma categoricamente que se trata de assassinato cometido pelo capitalismo.

Tratamos aqui da produção de alimentos, mas poderíamos dizer com toda segurança que a indústria têxtil produz roupas suficientes para vestir a todos, o mesmo se dá com os bem duráveis, indústria automobilística e etc.

Caro leitor, já parou para pensar porque a indústria fabrica um celular que trava, tem pouco armazenamento interno, memória limitada, e outro que não trava, funciona bem, e tem boa memória? No trabalho associado, no socialismo, os trabalhadores poderão fazer só coisas boas, duráveis, com respeito ao meio ambiente. Isso é perfeitamente possível, o que impede que isso seja feito hoje, é o mercado, o capital, por isso os socialistas querem a destruição do mercado e do capital, o fim do trabalho assalariado e de toda exploração, queremos que os trabalhadores controlem tudo.

E o Estado?

Durante o século XX, parte expressiva da esquerda mundial parece ter se esquecido de Marx, para o filósofo alemão, o socialismo precisa destruir o Estado, pois todo Estado significa uma expressão da luta de classes, Lênin, no seu livro “O Estado e a Revolução” também defendia que no socialismo, o Estado iria paulatinamente desaparecendo, na medida em que os conselhos de fábrica e diversas associações de trabalhadores iriam controlando a produção, todo aparato estatal iria perdendo suas funções e razões de existência.

A esquerda no século XX, influenciada pela experiência soviética e pelo stalinismo, passou a alimentar certo fetiche no Estado, por isso hoje é comum que associe partidos de esquerda às estatizações, à ideia de Estado forte.

Os socialistas, que fique claro, não defendem o Estado, pois este é o comitê central da burguesia. Todos os Estados até hoje, representaram os interesses da classe dominante. No Egito o Estado reconhecia o Faraó como dono de todas as terras; na Grécia e na Roma antiga, o Estado legitimava o escravismo; o escravismo colonial e a servidão medieval, também tiveram a chancela e o braço armado do Estado; no capitalismo é o Estado que garante a propriedade privada da burguesia, criando sistemas prisionais para punir severamente os que ameaçarem minimamente o poder dos patrões. Nós socialistas, dizemos abaixo o Estado!

E a religião, o socialismo vai destruir as religiões?

O socialismo é uma forma diferente de organizar a produção. A religiosidade e a espiritualidade das pessoas é algo íntimo e um direito inalienável. Os trabalhadores têm uma espiritualidade, que pode se expressar em religião ou não. Os socialistas não atacam religiões, mas o leitor deve reconhecer que muitas religiões são institucionalizações da fé, e que se tornaram grandes corporações, esquemas de lavagem de dinheiro, algumas associadas ao narcotráfico, e até tráfico de seres humanos e sequestro (Igreja universal do reino de Deus de Edir Macedo). Em uma sociedade que não exista o lucro, economia monetária, que ninguém leve vantagem e enriqueça em cima de ninguém, certamente a religiosidade deve sofrer mudanças, se transformar, a teologia da prosperidade que hoje orienta o neopentecostalismo deve desaparecer, assim como o exercício ilegal da medicina e as práticas criminosas, a religiosidade e a espiritualidade será uma escolha, uma expressão da subjetividade, não um projeto de poder político.

Se o socialismo é tão bom, por que só ouvimos coisas negativas sobre ele?

É preciso lembrar que nunca tivemos uma experiência socialista no mundo. O socialismo só existe enquanto sistema mundial, nunca em um só pais, e nenhuma das experiências do século XX, autoproclamadas socialistas, foram de fato socialistas, todas mantiveram fortes Estados, em nenhuma os trabalhadores associados controlaram a produção e a distribuição da riqueza. O socialismo não se resume a tomada do poder político pelos trabalhadores, é preciso reorganizar a produção, de modo que os trabalhadores assumam efetivamente o controle.

Dito isto, vamos responder a pergunta. Começamos por dizer que, muito do que se tem dito negativamente do socialismo, vem da ideia que a URSS, China, Cuba e Coreia do Norte seriam socialistas, o que é uma completa inverdade. Todas essas experiências mantiveram trabalho assalariado, Estado forte, trabalho abstrato produzindo mais-valor para o Estado, em nenhuma houve trabalho associado, fundamental para o socialismo.

O segundo fator importante, para entendermos tantas críticas ao socialismo, é saber a quem o socialismo ameaça. O socialismo vai destruir a burguesia, isso implica que todos os milionários, bilionários, todos os que de uma forma ou de obra, gozam de privilégios oriundos das desigualdades sociais e das distinções de classe, perderão seus privilégios. Entre os privilegiados, estão todos os veículos de mídia, os políticos, os patrões, a classe média alta, latifundiários e claro, lideranças religiosas que ostentam riqueza fruto da exploração da fé alheia, imagine que todos esses ricos, cujo poder vem do capitalismo, temem, com toda razão o socialismo, e precisam que os trabalhadores também temam, e, assim, não desejem o socialismo.

Pare e pense caro leitor, de onde vem os discursos de anticomunismo que você ouviu. Bolsonaro, Rodrigo Constantino, TV globo, Paulo Guedes, Folha de São Paulo, Uol notícias, Edir Macedo, Silas Malafaia, Revista Veja, Padre Paulo Ricardo, Olavo de Carvalho, institutos liberais, partidos políticos? Observe que todas essas pessoas ou instituições tem a perder, observe que para todas, é mais importante o mercado do que os trabalhadores. Caso você leitor, ainda não esteja convencido, pense na inversão da pergunta, se o socialismo fosse tão ruim como dizem veículos de comunicação e algumas igrejas, se fosse algo tão tosco e simplório, como simplesmente igualar salário, por que nomes tão geniais como Jean Paul Sartre, José Saramago, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Carlos Nelson Coutinho, Antônio Cândido, Luís Fernando Veríssimo seriam socialistas? Seriam todos eles estúpidos? Poderíamos aqui citar outros tantos gênios socialistas. Isso só desmente a ideia de que todo mundo fala mal do socialismo, o anticomunismo é uma ideologia que objetiva a manutenção do status quo, dos privilégios, das desigualdades, da exploração de mais-valia. Os trabalhadores nada tem a perder com o socialismo, a não ser os seus grilhões.

Por Marcos Oliveira

 

Referências

 

CLAUDIN, FERNANDO. A Crise do Movimento Comunista. trad. José Paulo Neto; expressão popular, São Paulo 2013

MARK, KARL. Crítica ao Programa de Gotha. Porto: Portucalense Editora, 1966.

                         . A Guerra Civil na França. Trad. Rubens Enderle. São Paulo, Boitempo 2001.

______________ . Glosas Críticas Marginais ao artigo “O Rei da Prússia e a Reforma Social” de um Prussiano. São Paulo: Expressão Popular, 2010.

_                   . Introdução à Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1987. (Coleção Os pensadores)

                   . O Capital: crítica da economia política. Volume 1: O processo de produção do capital. Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

MÉSZÁROS, ISTVÁN. Para Além do Capital: rumo a uma teoria da transição. Trad. Sergio Lessa e Paulo Cezar Castanheira. São Paulo, Boitempo, 2006.

ZIEGLER, Jean. Destruição em Massa: geopolítica da fome. São Paulo: Cortez, 2013.

Zé Geraldo, disco veleiros 1981. https://www.youtube.com/watch?v=oXM- iqsvbR4